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quarta-feira, 2 de março de 2011

Conflitos da minha adolescência I

Quando eu era adolescente, na igreja sempre ouvia falar de oração, semana de oração, campanha de oração. Expunham para mim os benefícios da oração, que alcançar a vitória ou ganhar a benção só seria possível se orássemos. Na minha cabeça eu entendia que o queriam dizer era que a oração (aliada à fé) era a “chave” para alcançar de Deus aquilo que queríamos. Bem, na época não podia contradizer isso, pois não conhecia tão bem assim a Bíblia e, além disso, um adolescente não costuma ter vez e voz na maioria das igrejas.
          Algo me dizia que não era bem assim. Esse foi um dos muitos conflitos que vivenciei internamente. Eu simplesmente não podia aceitar essa descrição de oração, assim comonão conseguia aceitar tudo acerca do Deus que me era apresentado para crer. Ele era um Deus muito mais para ser temido que amado. Um Deus cujos “olhos como chama de fogo” estavam me vigiando constantemente e sabia até o que eu pensava! O Deus que me era apresentado não era o MEU Deus.
          Cresci em estatura, graça e conhecimento. Foi lendo a Bíblia que descobri o motivo do não ajustamento àquela cultura, àquela fé. Descobri porque na conseguia me encaixar naquela cosmovisão. Sim, bendita Bíblia! Entendei que aquilo que eu sentia não era outra coisa senão o Espírito Santo que habitava em mim e me guiava e que, agora, me expunha a Palavra revelada de Deus, que haveria de me trazer verdade e vida.
          Foi em Jesus que descobri algo deveras especial. Descobri que Ele não veio apenas para se fazer igual a mim a fim de "morrer a minha morte" me substituindo na cruz e "me conceder sua vida" . Ele também veio revelar como exatamente é Deus. Tomé perguntou aquilo que eu me perguntava sem cessar: “como é o Pai? Mostra-nos o Pai” (Jo 14.8). O Apóstolo Paulo nos diz que Jesus era a exata expressão do Pai. E foi aí que descobri que a oração não é um método a se seguira a fim de “convencer” o Deus todo-poderoso a fazer o que eu pedia. Não, a oração certamente não é isso.
          Observando o amor de Jesus demonstrado pelas pesssoas, como quando Jesus fazia questão não apenas de curar, mas muitas vezes ia até a casa da pessoa, dando, assim, atenção. Ele tinha o poder de curar à distância, mas fazia questão de relacionar-se com aqueles que o procuravam com fé. O dizer da mulher que há doze anos sofria de hemorragia? Jesus está indo à casa de Jairo, presidente da sinagoga, quando uma mulher anonimamente lhe toca. Ela é curada, mas Jesus não lhe dá só a cura física. Analisando a cultura da época, ela, provavelmente fora repudiada (divórcio) por seu marido por causa de sua hemorragia, pois tudo e todos que eram tocados por uma mulher com hemorragia (menstruação, parto ou outro sangramento da mesma espécie) eram considerados impuros. Seus filhos, se tinha, provavelmente a haviam abandonado, quanto mais as outras pessoas. Jesus faz questão de parar e lhe dar atenção, o que ela não tinha há doze anos. Quem sabe foi o primeiro contato humano desde o início da enfermidade. Ele diz "anima-te, tua fé te salvou" (tradução livre). Salvar aqui refere-se à cura da alma, fonte das emoções, vontade e intelecto. Jesus diz que ela pode voltar a ser feliz, a viver na mais alta expressão do termo. Ela podia voltar a ter relacionamentos, pois Jesus não proporcionara apenas cura física, mas também do coração. Analisando apenas os capáitulos 8 e 9 do evangelho registrado por Mateus vemos várias vezes Jesus TOCANDO a pessoa a ser curada. Até mesmo tocava leprosos! Então Deus é assim?!
          Se observarmos também o exemplo de oração de Jesus, mas apenas o modelo do "Pai nosso", cujo título é sugestivo, mas também suas orações pessoais, ficaremos admirados o quanto é diferente do padrão de de oraçõa de alguns de nós. Era relacionamento puro! Conversava com o Pai normalmente, sem arrodeios, sem segundas intenções. Revela-me relaionamento entre Pai e Filho, dependência em relação ao Pai.
          Quando observamos os homens, principalmente a partir da era moderna, vemos que´buscam saber como funciona o mundo. “As doenças não são provocadas pelos deuses, mas têm causas naturais. Se soubermos a causa descobriremos a cura!”; “compre já o kit monta rápido e faça você mesmo”; “as sete leis do amor perfeito”; “os sete princípios da liderança eficaz”; “dez passos para alcançar os sonos”. Não creio que o mundo espiritual funcione assim, e não creio por causa da santa Bíblia, por causa do divino Jesus.
          Jesus me mostrou que a oração é decorrência de relacionamento com o Pai. Essa expressão Pai é muito forte e especial. Todo homem sabe, mesmo que não explicar, o que é a relação com seu Pai. Jesus nos revela que aquele Deus que falava em meio a trovões, relâmpagos, som de trombetas e que ainda fazia no processo o monte fumegar, levando as pessoas a pensar que iam morrer (Ex 20.18,19), deve ser considerado por nós como um Pai. Deus não é um Deus mal, que quer distância de seus filhos e os trata apenas com o rigor da sua lei, mas é alguém relacional. Desde o relato da criação vemos Deus se relacionando na criação do homem (façamos - Gn 1.26), criando este homem à sua imagem e semelhança (1.27), abençoando o homem (1.28), providenciando o sustento e habitação dele (1.29; 2.8), restaurando os danos provocados por este homem (Jo 3.16).
          Em Mt 6.5-8 Jesus fala sobre a oração, dizendo que não é um mero cumprimento de um ato religioso, as um diálogo com SEU PAI, expressão usada três vezes nesta passagem. Seu é referência ao fato de que Deus não é apenas Pai de Jesus, mas dos que crêem em Jesus também. Ele é MEU Pai. O relacionamento com este Pai é pessoal e íntimo. Ele vê e ouve mesmo que com Ele se relaciona em oração, sozinho no seu quarto. Ele, inclusive, não precisa que se ora para informá-lo de qualquer coisa, “porque o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem”.
          Foi a partir destas descobertas que entendi o verdadeiro motivo de orar. Muitas vezes queremos um verdadeiro tratado para explica qualquer coisa, mas para mim o significado de oração se tornou claro e simples, embora não simplório: orar é falar com Deus, ou melhor, falar com meu Pai. Às vezes eu não consigo acreditar que é tão simples: o eterno, o onisciente, todo-poderoso, infinito, eterno, onipresente, transcendente Deus (quem dera eu pudesse traduzir aqui tudo que Deus é) é meu papai (Aba).
          Assisti recentemente a um filme chamado “meu malvado favorito”, em que um grande vilão é causa de dor de cabeça para o mundo, para três garotinhas órfãs ele era visto apenas como “papai”. Sinto-me do mesmo jeito (tirando a parta do vilão, claro). E é por isso que eu consigo dobrar meus joelhos, sozinho no meu quarto, e simplesmente falar com Ele realmente como quem fala com seu Pai, pois é exatamente isto que eu estou fazendo. Para mim não há mística. É bem verdade que tem coisas que tornariam isso muito frustrante. Por exemplo, o fato de Ele sabe tudo que eu vou dizer antes mesmo que eu existisse! Como fala com alguém que sabe exatamente o que eu vou dizer!? Mas quando estou no aconchego do colo do meu Pai, isso sequer me vem à mente. Charles Spurgeon disse: “o leito do enfermo se faz macio quando lá estás. O fogo da aflição esfria quando lá estás e a casa de oração se torna nada menos que a casa de Deus com a Tua presença e é o portão para o próprio céu”. Encontro mesmo no Antigo Testamento este Deus que se apresentou a mim: Por isso não tema, pois estou com você; não tenha medo, pois sou o seu Deus. Eu o fortalecerei e o ajudarei; eu o segurarei com a minha mão direita vitoriosa (Is 41.10).
          É bem verdade que muitas vezes a oração se torna o nosso campo de batalha, é lá que choramos, rasgamos nosso coração e nos derramamos em pranto diante de Deus. Por vezes por problemas nossos, mas muitas vezes em intercessão pelos outros. Situações sem possibilidade de solução de nossa parte como um filho dependente químico nos conduzem a travar uma luta intercessória diante de Deus.
         Contudo, para mim, a oração se tornou algo muito mais de descanso que de luta. É na oração que encontro conforto, posso entregar ao Pai meus problemas e ansiedades, pois sei que Ele já provou que tem cuidado de mim (Sl 103.2). Além disso, Jesus passou por ansiedades, dor, sofrimento, decepções, abandono. Chegou a pensar que tinha sido abandonado até pelo Pai (Mt 27.46). Eu pensava: “se até Jesus foi abandonado por Deus por causa do nosso pecado que levou sobre si, o que fará comigo por causa de meus pecados!”. Mas foi em C.S.Lewis, ex-ateu e um dos maiores teólogos do século XX que encontrei a resposta. Após a morte de sua esposa, sua dor foi tão grande que proferiu palavras de ódio contra Deus, chegando a chamá-lO de “sádico cósmico”. Certo dia ele acordou e sentiu que sua dor havia se esvaído. Depois em um de seus escritos afirmou: “é difícil enxergar quando seus olhos estão cheios de lágrimas”. Sim, o Pai estava com Jesus naquele momento, mas, assim como nós, é difícil percebê-lo quando sua dor grita a ponto de nos ensurdecer.

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