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quarta-feira, 2 de março de 2011

FUNDAMENTO DA OBRA MISSIONÁRIA: A PRIORIDADE DO ESPÍRITO SANTO NO PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DA PRINCIPAL MISSÃO DA IGREJA DE CRISTO

Parte I
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Quando voltamos nosso olhar para a era moderna, vemos que houve grande destaque para as questões humanistas, científicas e racionais, especialmente em oposição à religiosidade medieval. Uma das obras dessa época que ganhou destaque foi “O discurso do método”, de Descartes. Vemos que “desde as viagens espaciais e a energia nuclear, passando pela anestesia, pelos transplantes de órgãos, até a pesquisa do DNA e uso do laser, percebemos que temos vivido no mundo da ciência moderna” (Moreland & Craig, p.381).
Vemos, portanto, que o homem se tornou o centro das discussões e estudos, pois, na visão moderna, como exporia Karl Marx, são os homens e as relações entre estes quem faz “a roda da história do mundo girar”. Marx destaca, dentro desse aspecto, a luta entre as classes sociais.
De acordo com o pensamento da era moderna, tudo que existe pode ser estudado através do método científico (aí entra a obra de Descartes), pois todas as coisas põem ser medidas. Tudo que existe pode ser levado a um laboratório para ser comprovado, medido, experimentado.
Nesta visão há predominância de um acentuado racionalismo, que levou ao entendimento que a razão e a ciência conduziriam a humanidade a uma era de prosperidade em que não mais haveria fome, miséria, doenças e em que religiões, superstições e o misticismo não teriam mais espaço no mundo. Percebemos que essa crença fracassou diante da impossibilidade de a ciência racional e humanista conseguir conduzir a humanidade a este patamar. Isso foi um dos fatores que levaram ao fim da era moderna e o começo da era pós-moderna.
A igreja, durante sua milenar história, sempre teve a tendência de ser, em menor ou maior proporção, influenciada pelo contexto histórico que a circundava[1], aliás, como toda instituição. Não foi diferente em relação às questões da era moderna, e assim como as influências desta não se extinguiram totalmente com seu fim, podemos observar ainda hoje resquícios deste modelo de pensamento no modo de pensar e ser da igreja de nosso tempo.
          Quanto à integração da teologia (e da igreja) com a forma de pensar deste mundo, Moreland & Craig expõem de forma clara:
Se os cristãos forem falar ao mundo moderno e interagir com ele seriamente, também estarão interagindo com a ciência. E se os fiéis forem explorar o mundo de Deus pelos meios da ciência e integrar suas crenças teológicas aos resultados dessa exploração, eles precisam de uma compreensão mais profunda da própria ciência (2005, p. 381).
Aqui, entro em um ponto-chave: qual o fator fundamental que move, ou melhor, que dirige a igreja nas questões missionárias[2]. Afinal, o que deve pesar mais no momento de pensar, planejar e realizar missões: as questões gerenciais, financeiras, organizacionais, estratégicas? E penso nisso, pois, ao que parece, a oração e dependência da orientação do Espírito Santo estão sendo encaradas como questões suplementares aos métodos humanos. Billy Graham afirmou no congresso de Lausanne, em 1974, que “o foco originário da autoridade evangelística começou a se deslocar das Escrituras para a organização eclesiástica”.[3]
Isso seria apenas uma evolução ou desenvolvimento da Igreja, algo como aprimoramento através do tempo e experiência adquirida, ou mesmo uma adequação ao mundo em que vivemos? Ou poderíamos extremizar e considerar isso uma corrupção e abandono aos princípios apostólicos, devido à influência desse pensamento humanista, racional e científico em que os homens são os inteiros responsáveis pelo que acontece neste mundo?
A partir desta exposição, deixo claro que entendo que as questões gerenciais, métodos, planejamento estratégico, reuniões e coisas afins a estas são muito importantes e devem ser levadas em consideração no pensar, planejar e executar missões, pois auxiliam de forma a tornar mais eficiente e eficaz o cumprimento da Grande Comissão. Por exemplo, não se deve enviar missionários a outras culturas sem que este seja preparado teológica e culturalmente. Contudo o gostaria de destacar nesta breve reflexão é que o Espírito Santo é o agente decisivo do sucesso do Evangelho e da Igreja. Ele é sustentador da obra. A pretensão deste artigo é destacar a importância do Espírito Santo para a Igreja comprometida com a Grande Comissão, abordando o que parecem ser as principais atribuições dEle nesta obra. Missões vão além de programas eclesiásticos. Michael Green afirmou que “a igreja primitiva triunfou porque, de fato, cada homem era um missionário; a igreja moderna fracassa porque ‘missionário’ virou palavrão”.[4]
Vale ainda salientar que, no pensamento moderno, o homem “acredita que pode manipular o ambiente ao se redor e chegar aos resultados desejados se tão somente utilizar técnicas e ferramentas ministeriais de forma correta” (MUZIO, p. 53).

O Espírito Santo e o poder e autoridade na pregação do evangelho
At 1.8: Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra.
Se observarmos o que registraram os evangelistas, veremos que Jesus enviou seus discípulos para pregarem o evangelho apenas entre os judeus (Mt 10.5), Naquele momento eles ainda não compreendiam totalmente o que significava este evangelho (Mc 8.17,18) e quais as implicações do fato de Jesus ser o messias (Mc 8.27-33). Nos relatos dos evangelistas, Jesus prometeu a vinda do Espírito Santo após sua ida para o Pai (Mc 13.11; Jo 7.39; 14.26; At 1.8; 2.4).
O cumprimento dessa promessa foi o que aconteceu no relato do capítulo 2 de Atos dos Apóstolos. Após a ascensão de Jesus, os discípulos permaneceram em Jerusalém, como ordenado por Jesus e, durante a festa de Pentecostes, o Espírito Santo foi manifestado e capacitou os discípulos ali presentes a testemunharem o evangelho de forma que cada pessoa ouvia a mensagem em sua própria língua (At 2.1-11). A partir daquele momento, os discípulos, que até então pareciam estar com medo e sem entender o que aconteceria (At 1.6,9), passaram a lembrar e compreender o que Jesus havia feito e ensinado e, com grande ousadia, passam a testemunhar o evangelho de Jesus e declarar publicamente que Ele era o Cristo. Portanto, quando olhamos para a igreja inicial, também chamada de primitiva, ainda no livro de Atos, podemos perceber como era a atuação daqueles cristãos no que tange à evangelização.
          Percebemos que, foi o Espírito Santo quem encorajou e mobilizou os cristãos na evangelização. A Bíblia não dá destaque planejamento ou metas no anúncio do evangelho, e neste ponto friso a expressão “não dá destaque”, pois não podemos afirmar que não houvesse organização, mas podemos perceber que dependiam muito mais do Espírito Santo que destas coisas. A igreja de Cristos passou a funcionar como corpo, uma família, que tem como principal finalidade anunciar que Jesus era o Cristo, que morreu e ressuscitou e é o único caminho para a salvação dos homens. De acordo com o que Michael Green disse: “(...) não acredito que o que eles tinham fosse bem uma estratégia (...) O evangelho se espalhou de maneira aparentemente fortuita, ao ser acatada a liderança do Espírito, e ao entrar pelas portas abertas por este”.[5]
          Eles eram claramente orientados pelo Espírito Santo. Podemos ver o Espírito Santo separando pessoas para o apostolado (At 1.12-27), para missões específicas (At 13.1,2), compelindo para onde ir (At 13.4; 16.6-9; 20.22), revelando o futuro (At 20.23).
          Quando digo que a igreja inicial não tinha a preocupação com planejamento, não digo que não houvesse utilização de metodologias, pois, por exemplo, vemos Apolo utilizando as Escrituras para mostrar que Jesus era o Cristo (At 18.25-28), bem como também vemos isso no Evangelho escrito por Mateus e algo semelhante em Hebreus. Também vemos Paulo pregando aos gregos no Areópago e utilizando algo conhecido por eles para conseguir anunciar o evangelho (At 17.16-34). Afirmo novamente que meu objetivo não se foca em questões de mérito, mas no peso atribuído na maneira de se pensar, planejar e realizar a oba evangelística. Não desmereço o planejamento estratégico, ao contrário, é deveras importante, mas entendo que a Igreja do Senhor deve ser guiada em muito maior grau pelo Espírito de Deus.
          Os cristãos iniciais confiavam no Senhor para orientá-los Isto e fato, mas alguns então argumentariam que eles não se organizaram como a igreja de hoje por entender que Jesus voltaria imediatamente e não tinham necessidade nem tempo para “burocracia”, não tinham tempo a perder, precisavam evangelizar o mundo inteiro o mais breve possível. Contudo, essa linha de pensamento fatalmente nos conduziria à conclusão de que a hodierna organicidade da igreja deve-se ao esquecimento ou irrelevância da fé na volta de Jesus, ou, ao menos em relação à iminência desta. Portanto, essa cogitação não será aqui discutida, pois não é o foco da questão.
          Penso que era a confiança e dependência do Espírito Santo que os fazia focar seu tempo e forças na missão do testemunho muito mais que em seu planejamento. As reuniões apostólicas para deliberarem acerca de determinados casos parecem só ter sido levantadas em situações de extrema seriedade, quando uma ausência de consenso traria terríveis prejuízos à Igreja[6].
          A fonte de poder e autoridade na evangelização era o Espírito Santo, que garantia àqueles cristãos a realização da obra de Deus. Era isso que os impulsionava: Jesus estava vivo e seu Espírito Santo esta conosco!


[1] A este contexto, ou sistema, costuma se dar o nome, no âmbito da igreja cristã protestante, de “mundo”.
[2] Ao referir-me à” questões missionárias” emprego um sentido macro, ressaltando o evangelismo proporcionado pela instituição igreja, inclusive no âmbito mundial.
[3] Cf. A missão da igreja no mundo de hoje, p. 17
[4] Cf. A missão da Igreja no mundo de hoje, p.66
[5] Cf. A missão da Igreja no mundo de hoje, p.77
[6] Quanto a isso é importante observar a instituição dos diáconos, no capítulo 6, e o concílio de Jerusalém, no capítulo 15, ambos em Atos dos Apóstolos

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